sexta-feira, 22 de maio de 2020

Juros, Câmbio e Bolsa de valores




Começo esse post com uma frase proferida por um renomado gestor do mercado brasileiro: “estou no mercado financeiro há 35 anos e nunca vi uma crise global tão profunda e rápida como essa”.

Diferentemente dos posts habituais, escrevi o texto um pouco mais longo para tentar explicar a atual correlação entre os ativos citados no título.

Começo por uma questão básica: por que no meio de uma crise tão profunda e sem precedentes, as bolsas de valores mundo afora não param de subir desde a forte queda em março?

Por exemplo, o S&P 500 está a apenas 15% do seu topo histórico, ocorrido antes da pandemia. Vários bons analistas afirmam que mesmo diante dessa diferença, em termos relativos, a pontuação de hoje é mais alta do que antes, pela forte deterioração dos números das empresas listadas (lucros, margens, etc.).

O IBOV subiu mais de 30% desde o fundo de março, porém precisaria subir mais 45% para retomar a sua máxima atingida em janeiro de 2020. Em dólares a bolsa brasileira perdeu mais de 50% do seu valor, em virtude da forte depreciação do real. Assim, fica bem claro que o desempenho do IBOV está muito abaixo das bolsas americanas.

Vamos entender o desempenho das bolsas globais de uma maneira simplificada:

·         Desde março deste ano os principais bancos centrais dos países desenvolvidos zeraram os juros básicos e injetaram trilhões de dólares na economia.

·         Os juros zerados e o excesso de liquidez naturalmente inflaram os preços dos ativos, especialmente o mercado de ações.

·         Todavia, acredita-se que em algum momento no futuro, não sabemos quando, o FED (banco central americano) vai reduzir suas interferências no mercado financeiro. Daí, a dura realidade chegará aos ativos. O mesmo gestor, citado no começo, disse o seguinte: “o FED pode muito, mas não pode tudo”.

·         A alta do S&P pós-pandemia foi muito concentrada nas grandes empresas de tecnologia. A última vez que tal concentração ocorreu foi na pré-crise das empresas de tecnologia no ano de 2.000.

·         É fato e notório que teremos uma forte queda no PIB neste ano em praticamente todos os países. O desemprego está subindo e os lucros das empresas despencarão. Por pouco ou muito tempo? E a retomada da economia, será rápida ou lenta? Ninguém sabe as respostas.

·         Por último, em relação ao cenário global, teremos ou não uma segunda onda de contaminação? Teremos ou não um medicamento eficaz no curto prazo? A vacina estará disponível neste ano ou somente em 2021?

·         Fica muito claro que as incertezas sobre o futuro ainda são enormes.  

E o Brasil, como está nisso tudo?

·         A condução do controle da pandemia no Brasil foi muito ruim, seja na esfera municipal, estadual ou federal, uma lástima completa por todos os cantos. Virou uma briga política entre nossos governantes. 

·         Estamos no “olho do furacão” e ainda não temos planos efetivos de condução e controle da pandemia, e muito menos sabemos qual será o horizonte para sairmos dela.

·         Para piorar adentramos a uma grave crise política em Brasília que beira a ingovernabilidade. E mais. A crise sanitária paralisou as reformas que estavam no Congresso e gerou uma série de despesas “não recorrentes” (assim espero), que devem superar a economia estimada nos próximos 10 anos com a reforma da previdência aprovada em 2019 – mais de 800 bilhões de reais.

·         Que fique bem claro, sou a favor das medidas econômicas tomadas pelo Ministro da Economia para proteger os mais afetados pela crise, especialmente os mais vulneráveis. E também da ajuda aos Estados e Municípios, desde que haja contrapartidas, especialmente que os salários dos servidores públicos sejam congelados nos próximos dois anos. Todos precisam contribuir.

·         O que não devemos aceitar é a mudança permanente da agenda liberal, que teve início em maio de 2016 no governo Temer e que se manteve no atual governo.

·         Com a forte queda da atividade econômica, em virtude das medidas de isolamento social e do lockdown, a receita do Governo Federal cairá fortemente nesse ano. Assim, a relação dívida / PIB poderá atingir 100%, o que é muito para um país em desenvolvimento como o Brasil.

·         O Banco Central do Brasil “empolgado” com a redução de juros mundo afora e a inflação controlada por aqui, reduziu fortemente a Selic, atualmente em 3.0% ao ano. Além disso reduziu os compulsórios bancários para aumentar o crédito para as empresas e para a população em geral.

·         Porém, o “tiro saiu pela culatra”. Pegar empréstimo no Brasil continua muito difícil e os juros continuam elevadíssimos (em média 12% ao ano). O dinheiro continua “represado” nos bancos comerciais.

·         Pior. Os efeitos colaterais da queda da Selic surgiram: aumento desenfreado do dólar e o aumento do spread (diferença) entre os juros curtos (determinado pelo Governo) e o juros longos (determinado pelo Mercado).

·         Definitivamente, o Banco Central não tem controle sobre os juros futuros. E nunca terá. E por que isso? Você emprestaria dinheiro a longo prazo e com juros reduzidos para alguém que está “explodindo” sua dívida?

·         Com o câmbio desvalorizado e os juros reduzidos, o dinheiro local, por falta de opção, migrou naturalmente para a renda variável, inflando a cotação dos ativos. Relembrando, os gringos saíram da bolsa há muito tempo.

·         Faça uma conta rápida. Se em janeiro de 2020 você tinha o equivalente a 100 mil dólares em reais, atualmente você tem 30% a menos em dólares. Faça a mesma conta suas ações e verá que a situação é pior. Se você tinha 1.000 ações da Petrobrás a 30 reais (cerca de 7 dólares), preço pré-crise, hoje você tem as mesmas ações a 18 reais cada uma (3,2 dólares por ação – queda superior a 50%).

·         A bolsa brasileira continua subindo, mesmo no meio da crise, porém estamos cada vez mais pobres em virtude da disparada do dólar: nossos ativos são cotados em reais.

·         Quando será que essa “engenhoca” toda vai parar de funcionar? Bom, um palpite: o Banco Central até poderá abaixar mais ainda a Selic na próxima reunião, mas possivelmente em breve, talvez no segundo semestre ou em 2021, ele será obrigado a subir os juros básicos, e desta vez de maneira intensa, na tentativa de frear o câmbio, controlar a inflação (ela voltará) e reduzir o diferencial de juros.

·         Se os juros voltarem a subir fortemente, e como já dito, isso deverá ocorrer em algum momento nos próximos meses, o dólar cederá, o dinheiro migrará para a renda fixa (maior taxa de juros) e a bolsa deverá ser afetada (de novo).

·         Por último, um detalhe relevante: o Brasil pode estar entrando no que os economistas chamam de “dominância fiscal”. Grosso modo, isso significa que a queda da taxa de juros (Selic) não será balizada pela inflação, mas sim pela situação fiscal do Governo Federal, que poderá estar caótica ao final da crise.

Posto isso, o que fazer com seus investimentos no curto prazo?

1.      Mantenha seus seguros em carteira: ouro e dólar americano. Esses ativos já subiram muito, mas devem continuar assim por algum tempo.

2.      Mantenha um bom caixa em juros pós-fixados. Ao final da crise (e durante), o dinheiro líquido será muito importante: “cash is king”. Oportunidades à vista.

3.      No momento evite os títulos prefixados e tenha parcimônia com os títulos atrelados à inflação. O motivo? Juros futuros em alta, preço dos títulos em queda. Simples assim.

4.      Mantenha seu portfólio em bolsa, mas sem exagerar na dose. Se antes da crise você tinha 30% da carteira em renda variável, agora mantenha 20%.

5.      Seja muito seletivo na escolha de suas ações. Busque empresas sólidas e preparadas para a crise. Infelizmente muitas empresas ficarão pelo caminho.

6.      Fuja das empresas muito endividadas e problemáticas.

7.      Se puder mantenha alguma exposição ao mercado acionário americano. Ele se recuperará de forma definitiva muito antes do nosso. Isso é quase uma unanimidade entre os gestores. Porém, seja seletivo nos ativos e não se esqueça que uma segunda onda de correção nas bolsas mundiais poderá ocorrer antes da retomada.

8.      O cenário atual exige cautela, mas não podemos perder as oportunidades.

9.      Prepare-se para todos os caminhos possíveis.

10.  A crise vai acabar. Isso é certo. Mas, você precisa estar vivo!

Bons investimentos.




domingo, 3 de maio de 2020

Nuvens negras pela frente – Be aware!




Depois de um março caótico nas bolsas mundiais, o mês de abril foi supreendentemente positivo – bem acima das minhas expectativas.

Seguindo o comportamento dos índices americanos, o IBOV subiu fortemente no mês de abril. Alta de mais de 10%. Não fosse o dia muito ruim da última quinta-feira, queda de 4%, o desempenho poderia ter sido ainda melhor.

Antes de comentar os dados gráficos e sugerir os próximos passos do IBOV, vou relembrar os atuais “fundamentos” dos ativos globais.

A queda vertiginosa dos ativos no mês de março foi provocada pela rápida disseminação da Covid-19 (inicialmente subestimada pelo mundo ocidental), pelas medidas tomadas pelos governos para frear a pandemia (isolamento social e lockdown) e pela grave crise do petróleo.

Após a enxurrada de estímulos fiscais mundo afora, os Bancos Centrais aumentaram ainda mais a liquidez nas economias globais. E como sempre o dinheiro em excesso infla o valor dos ativos de renda variável. Outro efeito colateral poderia ser a inflação, mas ela provavelmente não ocorrerá no curto prazo (retração da economia, desemprego e avanços tecnológicos, dentre outros fatores).

Por outro lado, o desempenho das bolsas em abril foi muito além de qualquer previsão otimista. Acredito que essas fortes altas não são condizentes com o cenário atual da economia mundial. Talvez a partir de maio voltaremos a realidade.

A seguir listo alguns aspectos que vão na contramão das altas recentes:

O efeito do lockdown na economia global ainda não chegou aos números da economia real. Mas a conta vai chegar!

A divulgação dos resultados trimestrais das empresas nas próximas semanas pode frear o otimismo global (alguns resultados já publicados mostram essa direção). E mais, o resultado negativo mais dramático não será no primeiro trimestre e, sim, no segundo.

Ocorrerá um forte recuo no PIB mundial. Isso é inexorável. Ainda não sabemos o tamanho do rombo e nem se o efeito será somente no curtíssimo prazo. Até aqui, me parece que o mercado está “apostando” nessa hipótese.

Por enquanto, o aumento do desemprego é o dado mais palpável da crise, basta ver os números americanos. 

A forte alta do S&P 500 desde o fundo de março foi muito concentrada nas ações das grandes empresas americanas de tecnologia. E historicamente isso não é boa coisa. É só rememorar a crise das empresas de tecnologia em 2000.

Por aqui, se não bastasse a crise do coronavírus, o ambiente político foi extremante deteriorado pelas inúmeras gafes dos nossos governantes em Brasília. E mais. A confusão me parece estar apenas no começo. É inacreditável o poder de lambança dos nossos mandatários. É um terror sem fim.

Os esforços da equipe econômica do Governo Federal em combater à crise (e na direção correta em minha opinião) vão agravar o quadro fiscal no Brasil, que já era ruim. 

Passemos aos dados gráficos:

No último post publicado no começo de abril citei três possíveis caminhos para o IBOV. O caminho percorrido pelo índice foi a segunda opção elencada por mim. Na última quinta-feira o IBOV fechou em 80 mil pontos, após ter atingido 83.500 pontos na véspera.

Continuaremos em alta ou entraremos numa segunda onda de recuo nos preços?

Vejam alguns detalhes: 

O gráfico de curto prazo (diário) mostra uma tendência de alta com topos e fundos ascendentes. Teoricamente, ainda existe um bom espaço para novas máximas.

Todavia, acho que a bolsa brasileira está perdendo força. A forte queda do último dia abril pode ser o gatilho para mais recuos.

Os preços estão trabalhando dentro de uma figura gráfica chamada de cunha ascendente – uma figura de baixa. Os preços subiram, mas de “maneira contida”. A perda da faixa dos 75 a 77 mil pontos poderá derrubar o IBOV. Daí poderíamos voltar a testar os fundos prévios em 71, 67 e 61 mil pontos.



Por outro lado, um eventual rompimento dos 84 mil pontos poderá desencadear novas altas do IBOV. Graficamente existe “caminho livre” até os 100 mil pontos.

E o mais importante, continuaremos grudados no desempenho das bolsas americanas, e talvez lá, o rali de alta esteja perdendo fôlego. Será?

Por último uma curiosidade: Charles Dow, o maior exponente da análise técnica no século passado, cita que um Bear Market tem três movimentos claros: uma forte queda inicial, seguida de uma significativa alta (menor que o primeiro) e, por último, temos um novo movimento de queda, que pode parar no fundo da primeira queda ou renovar o piso. Talvez estamos próximos dessa terceira onda. 

Posto tudo isto, é fato que estou pessimista no curto prazo. Os efeitos da pandemia ainda são muito incertos e nebulosos. Apenas o desenvolvimento de uma vacina poderia trazer o alívio definitivo ao mundo. O otimismo exagerado do mercado me parece precipitado.

O que fazer? Minhas sugestões:

Mantenha um bom caixa (dinheiro com liquidez imediata e sem risco). Boas oportunidades poderão surgir em breve.

Não exagere nas posições acionárias. Também não recomendo zerar suas posições.

Faça realizações parciais de lucros. Alguns ativos subiram muito em abril.

Evite comprar empresas problemáticas e endividadas que cairão muito. As melhores empresas sairão mais fortes da crise.

Mantenha os ativos de proteção em carteira. Apesar da forte alta do dólar americano e do ouro, ainda não há sinais de reversão nesses ativos. E mais, se a crise política no Brasil piorar, a moeda americana poderá continuar subindo fortemente.

No atual cenário tenha algum cuidado com os títulos de renda fixa. Os juros futuros podem “explodir” e os preços dos títulos despencarem, se a crise política agravar.

Mantenha um portfólio diversificado e mais cauteloso. 

Não exagere no otimismo para uma eventual recuperação rápida da economia. Este caminho é possível, mas não me parece o mais provável, pelo menos por enquanto.

A ideia é ficar “posicionado” para enfrentar todos os cenários possíveis. No momento, as incertezas são preponderantes e ninguém sabe sobre o futuro. 

Resumindo, a bolsa até pode continuar subindo, mas em minha opinião, o mais provável é um recuo nos preços a qualquer momento a partir de maio. Último detalhe: enquanto a B3 ficou fechada na última sexta-feira, em virtude do feriado, as bolsas americanas caíram fortemente (cerca de 3%). E mais. Os futuros das bolsas americanas abriram em queda neste domingo. Pode ser o prenúncio de mais um “Sell in may and go away”. Be aware!

Bons investimentos.

MJR

As opiniões postadas no blog são apenas posições do autor sobre o tema, e não constituem em si, recomendações de compra ou venda de ativos. E mais. O investimento no mercado de renda variável pode gerar prejuízos.