Começo esse
post com uma frase proferida por um renomado gestor do mercado brasileiro: “estou
no mercado financeiro há 35 anos e nunca vi uma crise global tão profunda e
rápida como essa”.
Diferentemente
dos posts habituais, escrevi o texto um pouco mais longo para tentar explicar a
atual correlação entre os ativos citados no título.
Começo por
uma questão básica: por que no meio de uma crise tão profunda e sem
precedentes, as bolsas de valores mundo afora não param de subir desde a forte
queda em março?
Por exemplo,
o S&P 500 está a apenas 15% do seu topo histórico, ocorrido antes da
pandemia. Vários bons analistas afirmam que mesmo diante dessa diferença, em
termos relativos, a pontuação de hoje é mais alta do que antes, pela forte deterioração
dos números das empresas listadas (lucros, margens, etc.).
O IBOV
subiu mais de 30% desde o fundo de março, porém precisaria subir mais 45% para retomar
a sua máxima atingida em janeiro de 2020. Em dólares a bolsa brasileira perdeu
mais de 50% do seu valor, em virtude da forte depreciação do real. Assim, fica
bem claro que o desempenho do IBOV está muito abaixo das bolsas americanas.
Vamos
entender o desempenho das bolsas globais de uma maneira simplificada:
·
Desde
março deste ano os principais bancos centrais dos países desenvolvidos zeraram
os juros básicos e injetaram trilhões de dólares na economia.
·
Os
juros zerados e o excesso de liquidez naturalmente inflaram os preços dos
ativos, especialmente o mercado de ações.
·
Todavia,
acredita-se que em algum momento no futuro, não sabemos quando, o FED (banco
central americano) vai reduzir suas interferências no mercado financeiro. Daí,
a dura realidade chegará aos ativos. O mesmo gestor, citado no começo, disse o
seguinte: “o FED pode muito, mas não pode tudo”.
·
A
alta do S&P pós-pandemia foi muito concentrada nas grandes empresas de
tecnologia. A última vez que tal concentração ocorreu foi na pré-crise das
empresas de tecnologia no ano de 2.000.
·
É
fato e notório que teremos uma forte queda no PIB neste ano em praticamente
todos os países. O desemprego está subindo e os lucros das empresas
despencarão. Por pouco ou muito tempo? E a retomada da economia, será rápida ou
lenta? Ninguém sabe as respostas.
·
Por
último, em relação ao cenário global, teremos ou não uma segunda onda de
contaminação? Teremos ou não um medicamento eficaz no curto prazo? A vacina estará
disponível neste ano ou somente em 2021?
·
Fica
muito claro que as incertezas sobre o futuro ainda são enormes.
E o
Brasil, como está nisso tudo?
·
A
condução do controle da pandemia no Brasil foi muito ruim, seja na esfera municipal,
estadual ou federal, uma lástima completa por todos os cantos. Virou uma briga
política entre nossos governantes.
·
Estamos
no “olho do furacão” e ainda não temos planos efetivos de condução e controle da
pandemia, e muito menos sabemos qual será o horizonte para sairmos dela.
·
Para
piorar adentramos a uma grave crise política em Brasília que beira a
ingovernabilidade. E mais. A crise sanitária paralisou as reformas que estavam
no Congresso e gerou uma série de despesas “não recorrentes” (assim espero),
que devem superar a economia estimada nos próximos 10 anos com a reforma da
previdência aprovada em 2019 – mais de 800 bilhões de reais.
·
Que
fique bem claro, sou a favor das medidas econômicas tomadas pelo Ministro da
Economia para proteger os mais afetados pela crise, especialmente os mais vulneráveis.
E também da ajuda aos Estados e Municípios, desde que haja contrapartidas,
especialmente que os salários dos servidores públicos sejam congelados nos próximos
dois anos. Todos precisam contribuir.
·
O
que não devemos aceitar é a mudança permanente da agenda liberal, que teve
início em maio de 2016 no governo Temer e que se manteve no atual governo.
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Com
a forte queda da atividade econômica, em virtude das medidas de isolamento
social e do lockdown, a receita do Governo Federal cairá fortemente nesse ano. Assim,
a relação dívida / PIB poderá atingir 100%, o que é muito para um país em
desenvolvimento como o Brasil.
·
O
Banco Central do Brasil “empolgado” com a redução de juros mundo afora e a
inflação controlada por aqui, reduziu fortemente a Selic, atualmente em 3.0% ao
ano. Além disso reduziu os compulsórios bancários para aumentar o crédito para
as empresas e para a população em geral.
·
Porém,
o “tiro saiu pela culatra”. Pegar empréstimo no Brasil continua muito difícil e
os juros continuam elevadíssimos (em média 12% ao ano). O dinheiro continua “represado”
nos bancos comerciais.
·
Pior.
Os efeitos colaterais da queda da Selic surgiram: aumento desenfreado do dólar
e o aumento do spread (diferença) entre os juros curtos (determinado
pelo Governo) e o juros longos (determinado pelo Mercado).
·
Definitivamente,
o Banco Central não tem controle sobre os juros futuros. E nunca terá. E por
que isso? Você emprestaria dinheiro a longo prazo e com juros reduzidos para alguém
que está “explodindo” sua dívida?
·
Com
o câmbio desvalorizado e os juros reduzidos, o dinheiro local, por falta de
opção, migrou naturalmente para a renda variável, inflando a cotação dos ativos.
Relembrando, os gringos saíram da bolsa há muito tempo.
·
Faça
uma conta rápida. Se em janeiro de 2020 você tinha o equivalente a 100 mil
dólares em reais, atualmente você tem 30% a menos em dólares. Faça a mesma conta
suas ações e verá que a situação é pior. Se você tinha 1.000 ações da Petrobrás
a 30 reais (cerca de 7 dólares), preço pré-crise, hoje você tem as mesmas ações
a 18 reais cada uma (3,2 dólares por ação – queda superior a 50%).
·
A
bolsa brasileira continua subindo, mesmo no meio da crise, porém estamos cada
vez mais pobres em virtude da disparada do dólar: nossos ativos são cotados em
reais.
·
Quando
será que essa “engenhoca” toda vai parar de funcionar? Bom, um palpite: o Banco
Central até poderá abaixar mais ainda a Selic na próxima reunião, mas
possivelmente em breve, talvez no segundo semestre ou em 2021, ele será
obrigado a subir os juros básicos, e desta vez de maneira intensa, na tentativa
de frear o câmbio, controlar a inflação (ela voltará) e reduzir o diferencial
de juros.
·
Se
os juros voltarem a subir fortemente, e como já dito, isso deverá ocorrer em
algum momento nos próximos meses, o dólar cederá, o dinheiro migrará para a
renda fixa (maior taxa de juros) e a bolsa deverá ser afetada (de novo).
·
Por
último, um detalhe relevante: o Brasil pode estar entrando no que os
economistas chamam de “dominância fiscal”. Grosso modo, isso significa que a
queda da taxa de juros (Selic) não será balizada pela inflação, mas sim pela situação
fiscal do Governo Federal, que poderá estar caótica ao final da crise.
Posto
isso, o que fazer com seus investimentos no curto prazo?
1. Mantenha seus seguros em carteira:
ouro e dólar americano. Esses ativos já subiram muito, mas devem continuar
assim por algum tempo.
2. Mantenha um bom caixa em juros
pós-fixados. Ao final da crise (e durante), o dinheiro líquido será muito
importante: “cash is king”. Oportunidades à vista.
3. No momento evite os títulos prefixados
e tenha parcimônia com os títulos atrelados à inflação. O motivo? Juros futuros
em alta, preço dos títulos em queda. Simples assim.
4. Mantenha seu portfólio em bolsa, mas
sem exagerar na dose. Se antes da crise você tinha 30% da carteira em renda
variável, agora mantenha 20%.
5. Seja muito seletivo na escolha de suas
ações. Busque empresas sólidas e preparadas para a crise. Infelizmente muitas
empresas ficarão pelo caminho.
6. Fuja das empresas muito endividadas e
problemáticas.
7. Se puder mantenha alguma exposição ao
mercado acionário americano. Ele se recuperará de forma definitiva muito antes
do nosso. Isso é quase uma unanimidade entre os gestores. Porém, seja seletivo nos
ativos e não se esqueça que uma segunda onda de correção nas bolsas mundiais poderá
ocorrer antes da retomada.
8. O cenário atual exige cautela, mas não
podemos perder as oportunidades.
9. Prepare-se para todos os caminhos possíveis.
10. A crise vai acabar. Isso é certo.
Mas, você precisa estar vivo!
Bons
investimentos.